Tudo que penso tem uma origem inescrupulosa e pueril, isso é tudo que me limito a ser.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

O espelho

- Mais rápido, seu lixo - diz ele com a voz cheia de escárnio.
- Estou tentando, prometo, estou tentando - respondo com medo da reação que qualquer erro que eu cometa possa causar.
     Essa é a verdade sobre como passo os meus dias: com medo. Num momento, ele parece calmo, quase como se estivesse satisfeito, leves traços de sorrisos que nunca verei parecem dançar em suas feições já tão marcadas em minha mente. Basta um simples abalo em sua condição momentânea de perfeição, e a escuridão toma conta. Ele começa a destruir o que vir ao seu redor, destroi o ambiente, agride a mim e a si mesmo.
     Acabei o que fazia. Dou-lhe o devido tempo para avaliar o meu trabalho, digerir o que foi feito. Percebo que estou segurando a respição. Seus pés estão parados, não há tremores em suas pálpebras, nem movimentos repetitivos nos dedos das mãos, bom sinal. Foi preciso dar o meu máximo. Se não uso as palavras certas, ele surta, se o tom da minha voz nao for julgado adequado, ele surta. Se não sou educado na medida, ele surta, se não mostro minha agressividade quando defendo minhas opiniões, ele surta. Sou o escravo de seus desejos, a prostitua de suas vontades. Meu pagamento é sobreviver.
     Antigamente isso seria diferente. Eu tentaria me impor, faria exigências, lutaria por minhas vontades. Hoje, não mais. Quando abre-se mão de si mesmo, é como jogar sua independência ao vento, deixar que o relevo e o tempo sejam responsáveis pelo seu fim, um simples eufemismo pra não adimtir que você deu fim a si mesmo.
     Ainda estou esperando que ele decida o que achou, para que eu possa enfim voltar a respirar, ou não. Ele pousa as mãos, parece relaxar. Sua calma aparente me faz soltar o ar, aliviado.
     É tarde demais, quando percebo seu moviento, não há mais tempo pra escapar, sua mão raivosa já está a centímetros do meu rosto, e bate com força, barulhenta.
- Que porra é essa?- ele grita a poucos centímetros do meu rosto.
     Em seguida, estou correndo, fugindo. Não há racionalidade em meus atos, é o instinto de sobrevivência me dizendo o que fazer. Estou atrás do remédio, estou atrás daquilo que pode acalmá-lo, da droga que o doma. Ele foi na direção oposta, imagino que tenha ido a procura de alguem objeto que possa me ferir de verdade, me fazer sangrar.
- Seu merda! Seu merda, merda, merda - ele diz ao me achar.
- Por favor, não me machuque. De novo não, por favor, por favor - Mas ele não vai me escutar. Eu o iterpretei erroneamente, o desagradei, e agora terei que pagar o preço por isso. Eu poderia revidar, machucá-lo, mas simplesmente não posso, eu o amo assim como sei que ele igualmente me ama. Ele só não é capaz de evitar.
-Mato você! Eu mato, vou arrancar a sua cabeça, te tirar do controle, vou assumir essa porcaria que você chama de vida. Mas antes disso, eu te mato. Mato, mato.
     Eu me aproximo dele. Todo cuidado é pouco, é como dançar valsa com um animal selvagem, você nuca sabe quando virá o ataque. O remédio está em minhas mãos, eu preciso ser rápido, preciso ser mais rápido e mais esperto que ele.
- Eu só quero te ajudar. Estou contigo, por favor, deixe-me ajudar. Somos um, eu te ajudo. Por favor. - digo entrecortadamente.
-Eu vou fazer você sofrer, vou te causar tanta dor que você vai implorar pela morte. Tudo sua culpa, só sua. Você deveria ser mais cuidadoso, voce desperdiça sua vida de merda, nao posso deixar esse trem desenfreado continuar assim. Vou te matar em breve, não vai ser hoje. Semana que vem, mês que vem. Ou amanhã? Será? Será?- me provoca, mas não no tom obscuro de antes, não como a mesma expressão. Agora ele parece pedir desculpas, no seu rosto, vejo dor, ele queria nao estar fazendo o que faz. Ele não pode evitar. Eu chego ainda mais perto, seguro sua mão. Ele coloca as mãos ao redor do meu pescoço, sente minha pulsação fluindo pelas veias, não aperta meu pescoço, so ensaia a minha morte mentalmente.  Devagar, abro sua boca e lhe dou o remédio.
     Em seguida, o observo relaxar, os músculos destencionando, a respiração se acalmando. Ele sorri pra mim.
     É tarde, ele está dormindo. Eu o limpei, carreguei pra cama, dei um beijo de boa noite. Todo o estrago será esquecido, os traumas enterrados, os dramas suprimidos. Mas isso tudo pode esperar. Eu o acaricio com os dedos pensando em como eu preciso o amar, não importa o que aconteça, eu preciso o amar. Vou pra minha cama, me deito, fecho os olhos pensando se essa será a noite que ele vai me matar, se essa será a última noite que dormirei sendo eu mesmo. Me pergunto se amanhã, eu não serei ele... é difícil saber, eu nunca vou saber.
   

     Ele não tem nome, mas muitos o apelidam. Alguns o chamam de ''Consciência'', outros de Personalidade, tem até quem ache que ele seja uma outra personalidade.
    Eu discordo, pra mim, ele é simplesmente eu, e eu, sou ele. Essa a a fera dentro de mim que eu preciso domar diariamente.